Segunda-feira, 31 de Março de 2008

Espontaneamente
És o braço amigo que se suspende à toa por cima do meu ombro
A colcha rica da erva onde descanso
Pensamentos de amor, suco de amor, odor de amor, produção de amor
És a seiva trepadeira sobre o meu escombro, remanso
Braços e mãos de amor, lábios de amor, polegar fálico de amor, peitos de amor
És a terra do amor puro, vida que só é vida depois da dor
És a manhã suave, húmida e encharcada
És o cheiro da madeira das primeiras chuvas da madrugada
És o braço que se inclina através e abaixo da minha cintura
O cheiro de maçãs e latido de vidoeiro e sabor de uvas
A folha viva que gira o seu giro em espiral e cai
O elixir do líquido límpido dentro do homem jovem sem cura
A corrosão tão pensativa e tão dolorosa
O tormento, a maré irritável que não será paz jamais
Do homem jovem que acorda profundamente à noite
A mão quente que busca e reprime o que o domina
A noite amorosa mística, as visões, os suores, o pulso
Embebes sobre mim o mar, como estou disposto e nu
A incontinência de verduras, pássaros e animais avulso
A ganância que me come dia e noite e com fome não rói
O alívio sadio, o repouso e o conteúdo
Espontaneamente, sou eu nada e tu tudo
Domingo, 30 de Março de 2008

Espero sereno neste cantinho do palco
Não me incomodo com a economia dessas canções
Caído que estou no lugar onde tudo é música de fundo
A arranhar notas de flauta subidas na atmosfera
E a tocar uma harpa tamanho do mundo
No enredo fantástico da história da tua ópera
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Num jogo de cantos e instrumentos oculto
Essa arte de canto é a espuma do mar
Vem de uma pérola esse movimento gracioso, adulto
De algum lugar no andar dos mares do sul
Os poemas conseguem ser pedaços de madeira flutuante ao longo da praia, querendo!
Eles derivam de uma raiz lenta e poderosa
Em que não consigo flutuar e me vai perdendo
Pára com as tuas palavras e o teu canto agora
Abre para mim a janela no centro do seu peito
Despe-te desse vil preconceito de diáspora
Mostra-me nas tuas canções que eu faço o teu jeito
Foto: Sax Potiguar - Ricardo Lopes - Mossoró Rn (olhares.aeiou.pt)
Sábado, 29 de Março de 2008

Vagueio por florestas inacabadas e bato a várias portas de vários segredos
À porta do silêncio bato forte em voz alta e insisto com murros persistentes
E nas portas do espaço aberto, os meus olhos agitam-se para te falar, mas os períodos de calma roubam-te de mim, e em sussurros ensinam-me a tua língua entre dentes
Com a voz que nasce da liberdade recém-nascida, temo falar
Na minha pequena câmara da tranquilidade só falo com a voz do meu silêncio
Para que o meu silêncio, eloquentemente converse comigo
E não me consiga calar:
Pássaros brancos no mergulho oceânico, delicadamente
Um mar sem som e um céu mudo
Azul no azul fixado silenciosamente
Cor de céu de tom agudo
Identificado com silêncio ilimitado
Desajusto o ajustamento do universo
Num discurso bem guardado
De silêncio feito verso
Consciente e solitário, imortal e infinito
Reúno todas as coisas do meu coração
E parto à procura do silêncio não dito
Nos versos de uma silenciosa canção
Quinta-feira, 27 de Março de 2008
São dias iguais aos dias diferentes
Os que passam por mim a adiar
São dias diferentes mas dias iguais
Os que suspendem o meu respirar
São dias impossíveis de serem iguais
Aos dias diferentes de todos os dias
De diferenças meramente artificiais
São dias de coisas somente vazias
Vazio de dias sempre impossíveis
De preencher o oco dos dias diferentes
Soma de dias abstinentes
De adiamentos impreteríveis
Dias de destinos incompatíveis
Com as igualdades dos dias diferentes
Com as diferenças indefiníveis
Da igualdade do destino dos dias
Somam-se as diferenças da igualdade
E temos dos dias iguais
O somatório da verdade
Quarta-feira, 26 de Março de 2008
Sonos, sonhos, beleza brilhante
São pequenas tristezas que se sentam e choram
São mágoas recalcadas de vida farsante
São desejos suaves que já foramAlegria secreta e sorriso secreto
São sorrisos que roubo de manhãDe um sonho sonhado em dueto
São da mente a mais fina artimanhaEm fantasias que se vestem de verdadeMil vidas passam nos meus sonhos
Mesmo nos sonhos contra a minha vontade

Se sou Lua serás luar
Se sou água serás a chuva
Se sou dia serás o Sol
Se sou mão serás a luva
Se sou noite serás farol
Se sou igual serás diferente
Se sou mentira serás verdade
Se sou pensamento serás a mente
Se sou virtual serás a realidade
Se estou aqui estarás ausente
Se sou bom serás a maldade
Se sou amargo serás mel
Se sou doce serás fel
Se sou preto serás branca
Se sou branco serás transparente
Se quero ficar sozinho
Queres estar com toda a gente
Se sou casa serás a rua
Se fores minha serás tua
Se secares ficarei molhado
Quando foges fico aqui
Quero só estar ao teu lado
Se és árvore sou a sombra
Se és dinheiro eu sou a compra
Se o teu dinheiro é pouco
Mesmo assim serei teu troco
Se sou calmo és agitada
Se falo ficas calada
Quando rio ficas séria
Não dás uma gargalhada
Se és corpo sou teu vestido
Se és culpada estou absolvido
Se me amas quero-te
Se me queres choro-te
Se me choras odeio-te
Se me odeias adoro-te
Terça-feira, 25 de Março de 2008

Em cada amanhã há um hoje para esquecer
Em cada hoje há um ontem para lembrar
Das sombras do sul e do norte
E as nuvens do vento passaporte
Da natureza nobre, dos dias sombrios
Há também a grandeza da sorte
Da sorte de poder ser e viver agora
De poder ver e ler a metáfora
Da nossa vida e da morte
Todos os contos encantadores que ouvimos ou lemos
Que falam e cantam
A rocha batida que jorra
Um amor encerrado na masmorra
O aço pisado que salta
Uma paixão na ribalta
A luz etérea do luar
De um adeus a acenar
De flores das Primaveras
De um mundo de quimeras
Que deixam na boca o gosto amargo
Da laranja agridoce
Que falam de uma vida de hoje
Como se ontem nada fosse
Como de a alegria fosse o correio da dor
E a paixão o correio do amor
Foto: a porta - simao pereira de magalhaes (olhares.aeiou.pt)
Segunda-feira, 24 de Março de 2008

Fico quieto e mudo deste lado do horizonte
Deste lado do mar de todos os dias
Onde ser enrolam as ondas do mar sem laços
Onde perco os teus abraços
Onde cruzo o silêncio de um mar sem chão
Com a sombra dos braços teus
Que acenam um claro mas cinzento adeus
Uma vela, um barco ao longe, navegar de solidão
Encalhado numa praia onde não chegam as ondas
Desfazem-se fora dos olhos em voltas redondas
Onde verto em câmara lenta desgostos de não te olhar
Dava a vida toda para te ver chegar descalça sobre o mar
A viver deste lado do meu poema
A fazer-me companhia
Na construção do simples morfema
A beberes comigo a palavra fugidia
A desfolhar comigo as páginas do dia
Seres em carne e em paixão
A vida da minha poesia
Foto: emotional winter - grENDel (olhares.aeiou.pt)